Lombadas
A lombada resiste forte
à sua dissolução.
Mesmo aqueles que não se leu
a memória vem na lombada dos livros.
Os reconhecidos, os da descoberta,
os esquecidos.
Há que ler de novo
epifania e ricochete
o correr do tempo.
A memória abarca toda a vista das lombadas
de um lado ao outro, oblíquo tal qual se lê.
A direção que leva o vento
traz a leitura e o seu trilho de volta.
Qual foi o herói desta trama,
o que ganhou e o que perdeu?
Em que lugar ficou hoje a página trinta?
Quer-se pergunta assim banal.
Tudo o que se imagina
não está certo nem errado.
Na lombada dos livros
há notas invisíveis de rodapé
prenunciadas
previstas imprevistas
são apenas
são notas de rodapé.
Quer-se saber:
por quanto tempo resiste o propósito do livro
ao seu exterior
temporariamente mais firme?
E que lombada resiste à transmutação do escrito?
Da confusão dos géneros, dos múltiplos narradores
dos pontos de vista tão conflituosos
onde se elege uma só voz?
Que vozes trazem a si a essência da voz?
Do que é visto para dentro das lombadas
tantas imagens se soltam
castas e excessivas
vão pousar no nosso ombro
quero que pousem e recebam.
Não se imagina que direção
leva o vento na leitura.
in Sérgio Godinho. (2021). Palavras são imagens são palavras. Lisboa: Quetzal Ed.