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Publicado em: 11 Maio 2020

Realidade Virtual no Post Mortem

Artigo de opinião de João Azevedo, Vice-presidente e Docente do Departamento de Multimédia da Escola Superior de Media Artes e Design do Politécnico do Porto

Em 2016, a filha de sete anos de Jang Ji-sung, Nayeon, morreu com uma doença incurável. Três anos depois, a mãe voltar a estar com Nayeon, ou melhor, com uma representação digital da sua filha. Este encontro decorreu num mundo virtual criado especificamente para um documentário sul-coreano com o título “I met you”.

Esta reunião é filmada num estúdio com fundo verde, que permite-nos observar simultaneamente a mãe, em imagem real, e filha, em imagem de síntese. Nesta experiência, Jang Ji-sung, a mãe, está equipada com um sistema de Realidade Virtual (RV) HTC Vive e umas luvas hápticas. Este equipamento, que está disponível no mercado por algumas centenas de euros, permite uma imersão e sentimento de presença notável, onde facilmente esquecemos que o que estamos a ver e ouvir não é real, mesmo para os mais experientes. É esta capacidade que torna esta tecnologia tão útil no tratamento de fobias através da exposição e dessensibilização dos fatores geradores de medo e ansiedade. Ora, se aliarmos esta capacidade com conteúdos com uma forte carga emocional, como voltar a ver um filho perdido, é fácil de imaginar o poder catalisador desta tecnologia na geração de emoções muito poderosas.

Quando o modelo digital de Nayeon, a filha, aparece, Jang não consegue controlar o choro e procura abraçar a sua filha perdida. É uma cena comovente, que, por momentos, nos faz esquecer as nossas dúvidas e angústias sobre o impacto desta experiência na sanidade mental desta mãe. A experiência transforma-se numa festa de aniversário com balões, decorações, um bolo com a cerimónia das velas. Nesta altura Nayeon diz à sua mãe que não chore, mas isso é, compreensivelmente, impossível para Jang Ji-sung. Depois de outras interações mais simples, Jang Ji-sung coloca a sua filha na cama uma última vez. Ela usa as luvas hápticas para acariciar gentilmente os cabelos de Nayeon e quando o faz, o avatar transforma-se numa borboleta e flutua em volta da sua mãe antes de desaparecer.

A equipa responsável pelo desenvolvimento deste projeto investiu oito meses no projeto. Parte importante deste período foi utilizado na produção dos cenários e no avatar de Nayeon, onde aplicaram a tecnologia de captura de movimentos para registar as ações e a expressividade de um ator infantil que, mais tarde, foram usados como modelo para a Nayeon virtual.

Embora os resultados sejam impressionantes, a tecnologia usada neste projeto ainda está longe de cumprir todo o seu potencial. Muitas das técnicas aqui aplicadas derivam dos videojogos e da animação digital, mas, quando combinadas de forma competente, torna-se bastante claro o quão poderosa a RV pode ser como ferramenta para viver experiências. Atrevo-me a dizer que uma tecnologia que é capaz de criar este tipo de impacto emocional, é permitido classificá-la como revolucionária. As suas implicações são difíceis de prever.

Que tipo de impacto isso terá, por exemplo, no processo de luto? Ver um ente querido em RV ajudará as pessoas a encontrar conforto e seguir em frente ou é apenas o primeiro passo para vivermos num episódio da série "Black Mirror"?

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